sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Sobre famílias, seus moldes e seus limites.



Minha adolescência foi assombrada por diversos fantasmas... espinha no nariz, provas, simulados, briguinhas na escola, complexos com a aparência... Mas nada me incomodava tanto como os velhos do mercado.

Tudo começou num daqueles debates em sala de aula.

Lemos um texto que tratava de filhos de pais separados. Eu ouvia a tudo aquilo com a indiferença de quem diz: "ainda bem que não é comigo...
Achava todos aqueles debates "polêmicos"(bah!) um saco!

Foi quando a professora perguntou quem, da sala, era filho de pais separados. Uma garota levantou a mão.

E minha amiga, também, só que para me apontar:

--A Isa! A Isa é filha de pais separados!

Anh?! Eu?!?! Mas que idéia absurda!

--Não... Meus pais não são separados.--protestei.

--São, sim! Você mesma me disse que seu pai só vai na sua casa aos domingos... e eles nem são casados na Igreja!

Meus amigos apoiaram o argumento.

E o meu mundo caiu. Eu tinha, então, treze anos.

Eu sempre fui meio neuradinha com as coisas, e , naquele momento, toda a minha neura se voltou para esta questão.Começaram a me perguntar como eu reagiria se minha mãe se casasse com outro cara, diziam que era horrível ter madrasta, escambau, e tals...

Que besteira! Isso não ia acontecer! ...Ou será que ia?!
Aimeudeus, o que eu faço se acontecer?!

Meu pânico só aumentou quando percebi que o charme simples de minha mãe parecia atrair a atenção de alguns velhos, no supermercado.

Ela nem percebia, concentrada nos preços, nas contas,nas prateleiras... mas eu, sim! Percebia, e muito bem!

E os velhos (Tinha uns 5 ou 6 deles) a seguiam, vez ou outra, pelos corredores.

Desde então, seempre que eu podia, eu acompanhava minha mãe às compras, a fim de espantar qualquer um que ousasse lançar os olhos sobre ela.

E tive trabalho! Era só ver um deles se aproximar comentando que "o feijão subiu...." ou qualquer papo de mercado para que eu começasse a falar que "o PAPAAAAI (fique claro: Ela é MINHA mãe, e eu tenho um pai, viu?) gosta de feijão com farinha, ou qualquer outro comentário retardado que afugentasse o cara.

Os mais tímidos, a seguiam da sessão de ervilhas até o açougue. Com esses, era mais fácil. Era só mandar uma fusqueta que eles vazavam.

Tive pesadelos, em que meu quarto de bagunças agora pertencia a um daqueles velhos do mercado, que queimava todas as minhas traquitandas e prometia me "botar na linha."

E perdia tempo pensando quando foi que as coisas começaram a dar errado com meus pais. Afinal, antes de me dizerem, eu não havia percebido que meus pais eram, de fato, separados.

Com o tempo, esses pensamentos foram sumindo da minha cabeça.

E quando isso aconteceu, percebi o quanto fui escrota, egoísta, idiota...

Primeiro, porque eu não tinha o direito de querer decidir qualquer coisa pela minha mãe, porque gosto dela, e quero vê-la feliz.

Segundo, que eu não deveria dar ouvidos ao que as outras pessoas diziam sobre minha própria família. Não estávamos estruturados à maneira tradicional... Mas quem disse que unidades familiares que fogem do padrão deixam de ser verdadeiras?!

Porque éramos e ainda somos uma família. Esquisita, mas uma família, e funcionamos muito bem em nossa (des)organização.

Hoje, moro com meu pai. Sinto falta da mamãe, porque só a vejo de vez em quando.

Mas isso não importa, porque família não é só quem mora perto da gente, mas também quem mora no nosso coração.

Tenho dito.

Um comentário:

  1. Sabemos que a forma família já foi superada pela história, pois a relação com a humanidade já ultrapassou os limites da propriedade privada, contidos ´na instituição família. Obviamente, não há nada de errado amarmos alguém que por acaso pertence a esse núcleo, mas devemos ter clareza de que não temos obrigação nenhuma disso.
    Se amamos é porque existe algo ali e não por mera formalidade.
    Do mais, bastante interessante, como costumam ser seus post's.

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